segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Homus Pirosus

Eu e a minha afilhada temos um hábito, no mínimo, estranho. Sexta-feira à noite é noite de gajas, os homens vão à vida deles e nós vamos à nossa, e ao fim da noite, como por norma sou eu que levo o carro, vou levá-la a casa e paramos sempre um pouco dentro do meu amado e fiel Popicas a conversar. E o pouco pode ser até o sol raiar.

Como ela mora num sítio com imenso movimento, mesmo à noite, este hábito estranho torna-se algo com um índice de entretenimento bastante alto, e de interesse sociológico bastante elevado. Primeiro, vemos manobras tão escabrosas que eram mais que suficientes para os condutores ficarem sem carta três vezes. E depois, temos a magnífica observação de uma espécie cada vez mais abundante: o Homos Pirosus.

O Homos Pirosus pode ser encontrado em qualquer idade e em qualquer local; no entanto, é mais abundante na periferia da capital, e a sua média de idade é, diria eu, na faixa etária dos 20 aos 30 anos. Veste calças debaixo das nalgas e t-shirts mais justas que o Supremo Tribunal. E claro, com o belo do boxer à vista. Usa argolas ou brincos tipo Cristiano Ronaldo, cabelo espetado com gel com 75% de betão armado. Não fala, mas comunica com as da sua espécie com grunhidos próprios, e com o resto das espécies usam a mesma linguagem, mas acompanhada de gestos, para se fazerem entender. Nunca abriram um livro, acham que comprar o jornal A Bola dá status, e referem-se às suas namoradas como “a minha gaja” ou “a minha mulher”. Tunfas, nem mais nem ontem. Mesmo que só namorem há três dias.

Esta espécie hominídea desloca-se a qualquer hora do dia, mas o seu lado noctívago é, indubitavelmente, o mais fascinante. Por norma, vagueiam noite fora nos seus berrantes carros tuning, ou melhor dizendo, chuning, vários da mesma espécie instalados lá dentro, a ouvir kizomba de má qualidade, ou trans ainda pior, e, claro, no limite de décibeis antes dos ouvidos sangrarem. O mais curioso desta manada automobilizada é, infalivelmente, o condutor. A postura é absolutamente fantástica: recostadito no banco, para dar um ar desportivo à coisa, mesmo que a coisa seja um Fiat Uno de 1990 a cair de podre, braço esquerdo bem esticado a agarrar o volante, para se ver os músculos, vidro aberto e claro, olhar de caçador faminto a olhar pela janela lateral esquerda. Vá lá, fechem lá os olhos e tentem imaginar… vá, e agora acrescentem como banda sonora os Xutos: “Eu cá sou bom, sou muito bom…” Como é óbvio, vêem duas mulheres dentro de um carro e passam sempre a olhar para o lado, sempre a olhar para nós. Não somos exactamente uma dupla Schiffer/Crawford, até porque nenhuma de nós é loira, mas convenhamos, temos os nossos palminhos de cara e os nossos encantos. E só estamos à espera que um dia um deles parta o carro porque não ia a olhar para a frente, como é suposto.

O Homos Pirosus não está em vias de extinção, muito pelo contrário, pulula como cogumelos. Se o lince ibérico tivesse esta capacidade de multiplicação, tínhamos de andar de caçadeira para abater os bicharocos que passeariam alegremente pela cidade. Dizem-se amantes e conhecedores de automóveis, mas não se lembram do Nigel Mansell com bigode. Gastam centenas de euros em autorádios mas não trocam os pneus. Todos são condutores capazes de dar uma abada ao Stig, mas não vão para o centro de Lisboa com o carro. São capazes de gastar um décimo do ordenado em jogos para a PS3, mas não vão ao dentista. São eles que atiram os piropos boçais e de mau gosto, e perdem o pio quando ouvem uma resposta descabida e com mais de quatro palavras, porque o dois neurónios residentes não processam coisas tão complexas. São eles que se picam com qualquer pessoa que pare ao lado deles num semáforo, seja uma miúda com um Corsa ou o Schumacher com um Veyron. São eles que acham que tudo isto os faz machos dignos de caçarem toda e qualquer fêmea, sem apelo nem agravo.

É esta sub-espécie hominídea com que eu lido, ou por outra, evito a todos o custo, no maravilhoso bairro onde nasci e cresci. Ou pelo menos é a espécie masculina dominante. E até podia encolher os ombros e não lhes ligar, mas não consigo. São eles que me olham com ar de troça quando trago livros debaixo do braço, ou quando comento que fui ao teatro. Aí, a vontade de lhes dar com uma cadeira é enorme, não pelo sorrisinho de escárnio, mas porque esta espécie não é infértil e procria como se não houvesse amanhã, com as suas respectivas fêmeas. E isso é, no mínimo, assustador.

A mim e à minha companheira de infortúnio resta-nos agradecer os cachopos que nos calharam. São muito diferentes, mas têm coisas em comum: qualquer um deles é incrivelmente imune a estas modas. Têm uma atracção inexorável pelo banco do pendura. Cada um no seu estilo, não fazem publicidade à marca de roupa interior que usam, e comunicam na linguagem comum dos seres humanos. O meu é apreciador de teatro e afins, o dela é apreciador do ar livre e coisas que tal, mas nenhum deles acha grande piada à PlayStation, e nenhum deles gosta de futebol. E qualquer mulher pode atirar as indirectas que quiser, porque eles nem vão perceber. Não que não gostem de apreciar outras mulheres. São distraídos, taditos.

Thank God for small miracles.

6 comentários:

  1. Ganda texto! Gostei mesmo, li agarrada até ao fim. Parabéns ;)

    ResponderEliminar
  2. Finally... Tinha mesmo que ler outra vez... Eu vou lançando os répteis... Venham mais destes... ;)

    ResponderEliminar
  3. tu vê lá os répteis que mandas, que ainda estou a recuperar do último...

    ResponderEliminar
  4. Ohhhhh, sinto tanta falta dessa espécie de aves raras...mesmo !!! eles não trazem nada de novo à tua vida, tu evita-los como se não houvesse amanhã, mas há uma certa nostalgia em estar no popicas e rir desalmadamente quando esta cena se desenrola ( e às vezes até há bolinhas de sabão plo ar...).
    Aqui os homens são standard. Todos bem cuidados no seu aspecto físico, a barba só aparece quando fazes 30 anos, o cabelinho a Minerva que me enerva cm tudo, o sapatinho estilo anos 70 com um bico que faz lembrar o sapato do batatinha...se trocava ERA JÁ :)

    ResponderEliminar
  5. lolol envolvia bolinhas de sabão e bolachas de água e sal! lololol

    ResponderEliminar